O relógio antigo da biblioteca marcava seis horas quando a mansão Velardi começou a acordar, respirando lentamente depois da tarde despreocupada no parque. A prima de Isabela, Beatriz, passou a noite em um dos quartos de hóspedes voltados para o laranjal, um aposento amplo, forrado por tapeçarias florentinas que transformavam cada fenda de luz em arabescos cor de âmbar.
Isabella levantou-se antes mesmo das primeiras badaladas, puxada por um nervosismo que não soube batizar. Talvez fosse a visita fugaz da prima, talvez, o olhar que Lorenzo lançou a ela, um olhar pesado como uma mão invisível repousando no vai-e-vem de sua respiração. Vestiu-se discretamente, jeans escuros, uma blusa de linho branca e o cabelo preso em um coque frouxo, como quem tenta camuflar qualquer vaidade. Depois caminhou pelo corredor forrado de tapetes herdados do avô de Lorenzo, pisando macio para não acordar Aurora nem disparar cochichos entre as criadas.
Na cozinha, Marta fervia café numa chaleira de cobre que soltava um assobio melancólico. A governanta ergueu o rosto, abriu um sorriso cúmplice e apontou para a jarra de suco de laranja recém-espremido.
— Para a despedida da sua prima — sussurrou, mexendo delicadamente o açúcar na caneca.
Isabella agradeceu e ajudou a arrumar a mesa. Quinze minutos depois, Beatriz surgiu na porta, já penteada, o vestido leve azul deslizava pelo corpo esguio. Trazia uma energia quase elétrica nos olhos, como se a noite inteira tivesse ficado acordada tramando pensamentos.
— Bom-dia — cantarolou, depositando um beijo aromático de lavanda na bochecha de Marta e outro na de Isabella.
Isabella mordeu um sorriso. Beatriz sentou-se à mesa, serviu-se de suco e, num piscar de olhos, começou a narrar sonhos absurdos ocorridos na madrugada: cisnes falantes, um labirinto de espelhos e “um cavalheiro de olhos azuis que aparecia sempre por trás das colunas”. O rosto de Isabella corou até a raiz do cabelo, ela apertou a xícara com força suficiente para as articulações clarearem, mas nada disse.
Antes que a conversa se aprofundasse, passos firmes ecoaram no corredor. Aurora surgiu na cozinha com os cabelos dourados ainda assanhados pelo sono, usava uma camisola de princesa que a tornava ainda mais linda. Ela havia acordado cedo, porque no fundo, temia que Beatriz fosse embora sem se despedir. Seu olhar infantil buscou a prima e, encontrando-a, iluminou-se com um sorriso quebradiço.
— Você já vai embora? — perguntou, erguendo os braços para ser erguida.
Beatriz levantou-se, embalou a menina contra o peito e respondeu:
— Logo depois do café, pequena. Mas prometo voltar logo, com doces caseiros feitos pela vovó, só pra você.
Aurora suspirou, enfiando o rosto no pescoço da visitante. Isabella sorriu e sentiu o coração aquecer. Em poucas horas, Beatriz conquistou espaço no coração da filha de Lorenzo, que muitos adultos levariam semanas para merecer.
Antonella apareceu em seguida, impecável na alfaiataria pistache, e logo se juntou à mesa, e conversava animada sobre a próxima visita para Beatriz trazer a avó de Isabella. O ambiente aquietou-se em conversas suaves, talheres tilintando no porcelanato, até que, de repente, uma presença distinta encostou no portal.
Lorenzo.
O cabelo ainda úmido do banho, a gravata alinhada ao colarinho branco, a barba impecável. O olhar dele passeou pela mesa, e se fixou em Isabella por um tempo relativamente longo ao ponto de Beatriz notar e sorrir discretamente.
— Bom-dia, todos — disse Lorenzo, com voz rouca de quem acordou tarde. Se aproximou da filha que já tinha os bracinhos elevados para ele e beijou sua testa com carinho. — Espero que tenham dormido bem.
Beatriz endireitou os ombros e devolveu o sorriso.
— Melhor impossível. Sua casa é belíssima… mas tenho que admitir: hoje ela acordou mais bonita do que ontem.
Lorenzo apenas inclinou levemente a cabeça, num gesto educado e contido. Não houve palavras, nem sorrisos, apenas aquela pequena reverência formal. Ainda assim, Isabella percebeu. Aquela sutileza, quase imperceptível, não passou despercebida.
Com o coração acelerado, ela se levantou e recolheu o prato vazio da prima, usando o gesto como uma desculpa para se afastar. Foi até a pia, fingindo se ocupar com a louça, tentando esconder o turbilhão que crescia dentro de si.
Mas ela o sentiu. Mesmo sem vê-lo, mesmo sem que ele a tocasse, soube que ele estava ali, parado atrás dela. O calor que vinha do corpo dele era quase palpável, uma presença silenciosa que arrepiava sua pele.

VERIFYCAPTCHA_LABEL
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar