O meio-dia chegou com pressa, embalado pelo ritmo da despedida e pelo arrastar de malas discretamente pesadas. O motorista posicionou o carro na frente da escadaria da mansão. Beatriz desceu com Aurora ao seu lado, enquanto Isabella a seguia com a pequena mala verde-oliva da prima, carregando também, sem perceber, o peso suave da ausência que viria.
Na soleira da porta, Beatriz se abaixou até a altura da menina, segurando o rostinho de Aurora entre as mãos, com a mesma ternura de uma mãe que parte, mesmo sem ser.
— Lembra do que prometi? — sussurrou, roçando o nariz no dela, com olhos brilhando de afeto.
— Chocolates caseiros da vovó e uma história nova — recitou Aurora, com a seriedade de quem acaba de firmar um contrato vitalício.
— Exatamente.
Elas se abraçaram forte, e Isabella, ainda parada ao lado, observava em silêncio, sentindo o coração apertar por uma saudade antecipada, dessas que não se explicam, mas se alojam fundo.
Quando a mala já estava acomodada no porta-malas, Beatriz se virou, permitindo que o motorista fechasse. Em seguida, abraçou Isabella com um gesto inesperadamente contido, como se soubesse que qualquer excesso poderia transbordar o que não se dizia.
— Agora vem a parte em que você finge estar séria e eu tento te fazer rir, — murmurou, mantendo o rosto junto ao dela por mais tempo do que o necessário. — Só me faz um favor: não confunda honra com medo. Às vezes, vale a pena deixar a guardiã descansar… e descobrir o que existe atrás dos muros.
Isabella não respondeu de imediato. Sabia que aquilo era sobre Lorenzo. Que aquele conselho, envolto em afeto e ironia, atravessava o coração da conversa sem dizer nomes.
— Você assiste novelas demais, — disse por fim, num tom baixo e rouco. Tentou sorrir, mas o gesto saiu pequeno, quase trêmulo.
— Pode ser, mas essas mesmas novelas me fazem perceber as coisas melhor. — Isabella encarou a prima. — Te amo, se cuida.
— Também te amo.
Ao se afastarem, ambas perceberam a presença de Lorenzo no alto da escadaria. Ele descia agora, com passos firmes, o celular na mão, e a expressão atenta. O som dos sapatos contra o mármore ecoava como um relógio mudo, marcando o tempo exato entre distância e aproximação.
Parou a dois passos delas e, com a elegância habitual, inclinou-se para depositar um beijo formal na bochecha de Beatriz.
— Boa viagem, signorina, — disse, com o tom polido e a voz baixa.
— Obrigada, senhor Vellardi, — respondeu ela, exagerando ligeiramente na formalidade, com um sorriso contido que fez Isabella segurar o riso.
Beatriz entrou no carro. Antes que o vidro subisse, apontou para Aurora com a ponta do dedo, e os olhos vivos.
— Cuide bem da tia Isa, meu amor.
— Cuido, tia Bia. — respondeu sorrindo.
Lorenzo apenas observou o carro desaparecer, não desviou o olhar da traseira do veículo até ele sumir na curva sombreada pelos ciprestes.
Já no fim da tarde, quando a luz se esgueirava pelas janelas da mansão com a melancolia dourada do crepúsculo, Isabella foi chamada ao segundo andar. Lorenzo solicitou uma conversa sobre a agenda de Aurora. O pedido, feito por mensagem formal, já carregava uma tensão implícita.
Ela subiu os degraus com passos medidos, sentindo o coração acelerar só de ficar no mesmo local que ele.
Encontrou-o no escritório, a parte mais silenciosa da casa, onde geralmente ele se refugiava quando queria ficar sozinho. Ele estava de costas, diante de um Monet, com as mãos nos bolsos e o corpo levemente inclinado para frente. Os ombros estavam rígidos, tensos como se sustentassem algo invisível.
Sem se virar, ele falou:
— Sua prima é curiosamente franca.
Isabella pigarreou, tentando alinhar a voz ao corpo.


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