Horas haviam se passado desde a despedida de Beatriz, e a mansão, agora envolta pela penumbra do início da noite, parecia respirar mais devagar. As luzes internas acesas criavam um contraste morno com o céu já escurecido lá fora. Cada cômodo parecia suspenso no tempo, quieto demais, grande demais, cheio demais do que não se dizia.
Isabella estava sentada na poltrona de leitura do quarto, com os pés descalços recolhidos sob as pernas. Os cabelos, antes presos com cuidado, agora caíam em ondas desfeitas sobre os ombros. Usava uma camisola leve de algodão azul, com rendas brancas na gola, simples e delicada. A única companhia era o som abafado do próprio coração, que insistia em palpitar como se ainda estivesse diante dele.
O celular vibrou sobre a mesa de cabeceira, interrompendo o silêncio como uma gota em superfície calma. Era uma notificação de Beatriz. Ela havia mandado um áudio curto, com aquele tom bem-humorado e provocativo que era tão típico seu:
— Ô, moça dos muros, senti cheiro de faísca daí. Não me decepcione, hein? Lembra: pontes.
Isabella não soube se ria ou chorava. Pegou o celular com cuidado, como se o objeto pudesse lhe queimar os dedos. O reflexo do próprio rosto na tela fez com que parasse por um instante. Os olhos estavam mais brilhantes do que o habitual, e havia um rubor insistente nas bochechas que nenhuma luz artificial poderia justificar. Era como se o dia tivesse marcado sua pele e sua alma.
Deslizou o dedo e salvou o áudio sem pensar duas vezes. Em seguida, digitou apenas:
— Um dia de cada vez. Saudades…
Colocou o telefone de lado, mas não conseguiu se afastar da janela. Algo nela pedia para ver. Como se, ao olhar para fora, encontrasse alguma explicação para o que sentia dentro.
E lá estava ele.
No jardim, sob a luz do luar, Lorenzo conversava com a mãe. O terno escuro havia sido substituído por uma camisa cinza de linho com as mangas dobradas, e calças de corte impecável. Os cabelos estavam ligeiramente desalinhados, como se o vento tivesse ousado tocá-lo. Ele gesticulava pouco, com a economia elegante de quem sabia que presença também era linguagem.
E, então, aconteceu.
Lorenzo desviou o olhar até as janelas do andar superior, até ela. Isabella não se mexeu, mas algo em sua presença foi percebido, pois ele inclinou levemente a cabeça. Um gesto discreto, contido. Mas profundo o suficiente para deixar um arrepio correr pela espinha dela.
Ficaram assim por alguns segundos. Ele lá embaixo e ela na sombra da janela. Um silêncio inteiro de significados entre eles.
Quando ele desviou o olhar e voltou à conversa com a mãe, Isabella ainda ficou ali sentindo o coração descompassado e o corpo tenso. A lembrança do toque ausente, das palavras ditas naquela tarde, da pergunta que ainda doía: "Hoje, você está construindo o quê?"
Muros, pontes, talvez ambos, talvez nenhum. Talvez apenas um terreno novo, que ela ainda não sabia como habitar.
Suspirou fundo. A voz de Beatriz voltou à mente com clareza: "Não confunda honra com medo."
Com o celular ainda na mão, murmurou para a noite:
— Boa noite, Beatriz…
Como se a prima ainda pudesse ouvi-la. Como se, de algum modo, a presença dela se estendesse até ali, empurrando-a gentilmente para frente.
Apagou as luzes, deitou-se e fechou os olhos, mas demorou a adormecer. Os lençóis estavam frios, mas o corpo queimava. A lembrança do gesto de Lorenzo, o modo como afastou aquele fio de cabelo com tanto cuidado, parecia repetir-se, teimosa, contra suas pálpebras fechadas. Ele não a tocou. E, ainda assim, Isabella nunca se sentiu tão tocada em toda a sua vida.
E então o sono chegou. Mas não trouxe descanso. Trouxe Lorenzo.
— Você é minha ponte, — ele disse, entre um beijo e outro. — E eu estou cansado de não atravessar.
Isabella acordou com um sobressalto.
A respiração estava acelerada, a pele arrepiada e o coração batendo como se tivesse corrido um campo inteiro. Os lençóis estavam enrolados entre as pernas, sua intimidade latejava de desejo, seus mamilos estavam eriçados e ela estava molhada.
Passou a mão pelo rosto, tentando voltar ao presente. Mas o gosto do sonho ainda estava ali. O toque, o beijo. A voz dele sussurrando coisas que ela não sabia se queria ou podia ouvir em voz alta.
Levantou-se devagar e caminhou até a janela.
Lá embaixo, a casa estava quieta. Tudo dormia, exceto ela.
Exceto aquele desejo que agora a devorava por dentro. Um desejo que não era só físico, era algo que misturava amor, medo e necessidade. Um desejo de pertencimento, de entrega, de coragem.
A mansão, tão imensa, parecia pequena demais para guardar o que ela sentia agora. E talvez o coração dela também fosse.
Mas ali, naquele instante, olhando a noite, sentindo os lábios ainda formigarem do beijo que não existiu, Isabella compreendeu:
Não era mais possível fingir neutralidade. E por mais que ainda não soubesse atravessar a ponte…Ela já não estava do lado outro lado.

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