Isabella Fernandes
O sol já se estendia mais alto no céu quando voltei ao quarto de Aurora. Depois do café, me refugiei ali, como sempre fazia quando precisava de um abrigo. A luz morna atravessava a cortina clara e desenhava formas suaves no chão de madeira. Aurora já tinha voltado a brincar, enfileirava pequenos animais de pelúcia no tapete e cantarolava uma canção inventada.
Eu a observava em silêncio, sentada na poltrona ao lado da janela. Havia algo de profundamente terapêutico em sua presença. A leveza, a inocência, o sorriso fácil. Um bálsamo para o meu coração confuso, embora agora ele doesse com mais força do que nunca.
O beijo de ontem, o toque dele no meu corpo, a forma como me entreguei por completo … ainda queimavam em mim como se tivessem acontecido minutos atrás. A maneira como ele me olhou, como se eu fosse feita de algo precioso. A forma como se ajoelhou, como se me adorasse. Como se fôssemos, mesmo que só por uma noite, de um mundo só nosso. Tinha sido mais do que físico. Eu sentia isso, eu sabia disso.
E ainda assim… ele hesitou.
Na cozinha, sua voz saiu embargada.
Os olhos fixos nos meus diziam tudo o que as palavras não ousavam dizer. Mas eu não queria ouvir. Não queria arriscar a transformar aquele momento sublime em um discurso racional. Queria mantê-lo intacto na memória. Queria preservar aquela lembrança como um véu delicado, prestes a se romper ao menor toque.
Ou talvez, no fundo, eu só tivesse medo. Medo de que ele dissesse algo prático, lógico, maduro. Que nos devolvesse à realidade. Que diminuísse tudo aquilo a um impulso, uma descarga de tensão, um erro.
Porque se Lorenzo dissesse que foi um erro, eu não suportaria.
Fechei os olhos por um instante, buscando firmeza. Respirei fundo. Precisava descer e enfrentar o dia. Eu era a babá de Aurora. Minha função ali era cuidar da filha dele, não sonhar com impossibilidades.
Me levantei e ajeitei os cabelos com os dedos. Aurora olhou para mim com curiosidade.
— Vai descer? — perguntou.
— Vou só pegar um copo d’água, minha flor. Volto já.
Ela assentiu, voltando para seus bichinhos. Cruzei a porta com o coração disparado. A cada passo no corredor, algo em mim vacilava. Um sentimento de urgência me percorria como se algo estivesse prestes a mudar, mas ainda não sabia o quê.
Meus pés tocaram o primeiro degrau da escada e o som de vozes me alcançou vindo da sala de jantar. Eram duas vozes, uma dele e outra feminina.
Parei.
Um instinto estranho me fez descer devagar, silenciosamente. Me aproximei da entrada lateral, onde a luz filtrava pelas grandes janelas de vidro, e me escondi junto à coluna, mantendo os olhos discretamente voltados para o interior da sala.
Lorenzo estava lá.
E diante dele, sentada de pernas cruzadas em um dos sofás, uma mulher morena estonteante, ela vestia um conjunto bege de linho leve, perfeitamente alinhado ao corpo esguio. Tinha olhos escuros e lábios bem delineados. O tipo de beleza que não precisava de esforço. O tipo de mulher que sabia exatamente quem era e como era vista.
Ouvi ela sorrir. Uma risada baixa, envolvente.
— Sempre achei que você fosse esconder sua filha do mundo, Lorenzo — disse ela, jogando os cabelos para o lado com elegância natural. — Mas me surpreendi. Aurora esta cada vez mais encantadora. Tem muito da Letícia, não é?
Leticia.
Aquele nome bateu em mim como uma onda gélida. A mulher que Lorenzo amou. A mãe de Aurora. A falecida esposa que ainda vivia em cada fotografia da casa, em cada silêncio dele, em cada olhar distante.
Então o que vi me fez ficar surpresa. Ele sorriu… sorriu para ela. Um sorriso suave, mas real. Durante todos esses meses que estou aqui, foram raros os momentos em que vi Lorenzo sorrir, mas para aquela linda mulher, ele sorriu com naturalidade e isso me fez estremecer.
— Sim… Aurora tem muito dela.
A mulher esticou a mão e tocou levemente o braço de Lorenzo. O toque durou um segundo a mais do que o necessário e ele não recuou.
Meu estômago se contraiu. Senti uma pontada afiada se instalar entre as costelas.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar