O carro parou com suavidade, mas, para Lorenzo, o som abafado do motor pareceu ecoar como um trovão dentro do peito. Por um momento, ele ficou imóvel no banco traseiro, olhando através do vidro para o portão de ferro à frente, um limiar silencioso entre o presente e tudo aquilo que ele tentava deixar para trás.
Então, abriu a porta devagar, o som do metal cedendo foi como um estalo contido. Ele saiu do carro em silêncio, e o gesto de fechar a porta, foi quase um ritual, lento, cuidadoso, como se temesse que um ruído mais alto quebrasse a solenidade daquele instante.
James, o motorista, permaneceu no banco dianteiro, com sua postura impecável e as mãos firmes no volante. Os olhos, refletidos pelo espelho retrovisor, seguiram discretamente o patrão. Ele sabia. Não precisava de perguntas, muito menos de palavras, apenas aquele silêncio respeitoso de quem compreendia que certas jornadas não precisavam de testemunhas.
O ar ali parecia diferente, mais denso, mais frio, quase sagrado. Assim que cruzou o portão de ferro, Lorenzo sentiu o corpo reagir, como se tivesse entrado em um território em que o tempo obedecia a um compasso próprio. Não havia pressa. Não havia barulho. Apenas uma lentidão pesada, carregada de lembranças que não se deixavam enterrar.
O céu estava encoberto por um manto espesso de nuvens cinzentas, e a luz fraca da tarde tingia tudo ao redor com tons pálidos, quase tristes. O vento frio trazia um perfume distante de chuva, enquanto as árvores ao redor farfalhavam de forma suave, produzindo um som que se misturava ao ritmo compassado de seus passos sobre o cascalho. O som seco das pedrinhas se deslocando sob as solas dos sapatos parecia ecoar demais naquele espaço silencioso, como uma música lenta e melancólica.
Lorenzo seguiu pelo caminho de pedras com passos firmes, mas o coração batia como se quisesse escapar do peito. Seus olhos passeavam pelas fileiras de lápides, algumas enfeitadas com flores frescas e velas acesas, como abraços deixados por quem ainda amava, outras esquecidas, cobertas por musgo e folhas caídas, carregando apenas a solidão do tempo. Mas Lorenzo não parou diante de nenhuma delas.
Ele sabia exatamente para onde ia. E, ao longe, o mármore branco reluzia sob o verde úmido da grama, como um farol silencioso em meio àquele mar de pedra.
Quando finalmente avistou o túmulo, parou. Ficou ali, a poucos metros de distância, como se atravessar aquele último trecho fosse impossível. A lápide era simples, mas elegante. Sem excessos, sem ostentação, exatamente como ela havia sido.
Um nó apertou-lhe a garganta.
Aproximar-se parecia trair a memória dela, como se cada passo fosse admitir que o mundo havia seguido sem a presença de Leticia. Por alguns segundos, ficou imóvel, respirando com dificuldade. Mas a lembrança de Aurora naquela manhã, o sorriso inocente, a mão pequena segurando a de Isabella e a palavra “mamãe” dita com tanta naturalidade, foi o impulso que quebrou a barreira.
Com passos lentos, quase cerimoniais, Lorenzo avançou até que os joelhos cederam diante da lápide. O contato com o chão frio subiu pelo corpo em um arrepio instantâneo. Sua mão, firme mas trêmula, alcançou a pedra gelada, percorrendo-a com a devoção de quem toca uma relíquia. Seguiu cada curva das letras gravadas até parar sobre o nome que conhecia de cor, mas que ainda assim doía ler:
Letícia Velardi.
A voz saiu baixa, carregada de um peso que ele não conseguia soltar:
— Desculpa… — sussurrou, sentindo o ar se prender nos pulmões. — Desculpa por tanto tempo sem vir te ver. Eu… não tenho desculpa. Só… não conseguia.
O silêncio respondeu, pesado, absorvendo cada sílaba. Ele fechou os olhos, sentindo o peito queimar, e falou como quem abre uma ferida:
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: A Babá Virgem e o Viúvo que Não Sabia Amar