Mas Marco sabia que, naquele momento, qualquer palavra era inútil. A mente do amigo já havia mergulhado no passado, na dor que o moldou. Ele reconhecia aquele olhar, era o mesmo de anos atrás, no dia em que Lorenzo carregou Letícia sem vida nos braços. A mesma mistura devastadora de choque, raiva e impotência que ninguém jamais quer sentir duas vezes.
O tempo no pronto-socorro era um paradoxo cruel: segundos se arrastavam como horas, e horas desapareciam num piscar de olhos. Para Lorenzo, cada tic-tac invisível zombava dele, alimentando a angústia.
Até que, por fim, a porta da sala de trauma se abriu. Um médico alto, de jaleco branco e semblante cansado, caminhou pelo corredor retirando a touca cirúrgica. Sua postura carregava o peso de más notícias, e até o som de seus passos parecia mais lento, como se cada passo fosse medido. Ao lado dele vinha o Dr. Stephano, igualmente sério, com as sobrancelhas levemente franzidas e o olhar atento. O contraste entre o semblante fadigado do médico e a presença sólida e controlada de Stephano formava uma dupla que imediatamente fez Antonella e Giulia se levantarem das cadeiras, os olhos arregalados.
Stephano mantinha o passo firme, mas havia algo na tensão de sua mandíbula que denunciava a preocupação. Ele olhou rapidamente para Lorenzo, que permanecia alguns metros à frente, rígido, com os punhos cerrados, e depois para Antonella, como se já quisesse preparar todos para o que estava por vir.
Antonella se levantou imediatamente, o terço ainda firme entre os dedos, e Giulia a acompanhou, o coração disparado. As duas trocaram um olhar rápido, como se estivessem se preparando para receber qualquer resposta, boa ou ruim. Stephano, ao se aproximar delas, pousou discretamente uma mão no braço de Antonella, como se dissesse, sem palavras: “estou aqui”.
— Familiares de Isabella Fernandes? — falou o outro médico, a voz grave.
Lorenzo avançou num passo só, quase interceptando o homem.
— Sou eu. Como ela está?
O médico respirou fundo, medindo as palavras.
— Ela sofreu um impacto muito forte. — começou, escolhendo cada termo com cuidado. — O mais preocupante é que, devido à força da batida, Isabella sofreu um traumatismo craniano e apresenta um inchaço no cérebro. Por isso, vamos mantê-la entubada e sedada, para que o organismo tenha a chance de se recuperar.
As palavras caíram sobre Lorenzo como pedras. A dor atravessou sua alma de forma tão violenta que ele quase perdeu o fôlego. Por um instante, não conseguia pensar, apenas sentir o peso sufocante do medo.
Antonella levou a mão à boca, tentando conter o soluço que ameaçava escapar, e Giulia espelhou o gesto da mãe, fechando os olhos com força para segurar as lágrimas. O corredor, que já parecia estreito, tornou-se sufocante.
O médico suspirou profundamente antes de continuar:
— É um verdadeiro milagre ela não ter perdido o bebê.
Lorenzo arregalou os olhos, o impacto daquelas palavras o atingiu com a mesma força de um golpe físico. Ele se virou para encarar o médico, surpreso, quase incapaz de processar o que acabara de ouvir.
— O bebê…?
— Acho que durante o impacto ela instintivamente protegeu a barriga — explicou o médico, o tom misturando admiração e cautela. — Isso pode ter sido o que salvou a gestação.
— Doutor… ela… — Lorenzo tentou falar, mas a voz falhou. O turbilhão de sentimentos o dominava: alívio, medo, incredulidade e uma ternura súbita que o fez sentir-se vulnerável como poucas vezes na vida.
O médico colocou uma mão firme no ombro dele.
— Minha vida… — a voz saiu embargada, quebrada pelo peso da emoção. — Eu sei que você me ouve. Então escuta o que eu vou te dizer… — fechou os olhos por um instante, respirando fundo para conter o tremor na voz. — Você não está sozinha aqui. E eu não vou sair do seu lado, nem por um segundo.
O silêncio da UTI parecia absorver cada palavra.
— Você vai voltar pra mim, para Aurora e pro nosso bebê. Eu nem sabia que ele existia até hoje, mas já prometo… prometo que vou proteger vocês dois com tudo que eu tenho. — Ele engoliu seco, a mão apertando um pouco mais a dela. — Só volta pra mim, Isa. Por favor.
A porta se abriu devagar, e Antonella entrou. A mãe, que até então tentava manter a força no corredor, agora trazia os olhos vermelhos e inchados, e o terço ainda firme entre os dedos. Por um instante, ficou parada, observando a cena. O filho curvado sobre a mulher que amava, a mão dele segurando a dela como se fosse a última âncora do mundo.
Lentamente, ela se aproximou. Lorenzo ergueu o olhar, e foi como se, naquele instante, toda a muralha que ele vinha erguendo para se manter firme desmoronasse. Antonella se abaixou ao lado dele, pousando uma mão em seu ombro e a outra sobre a mão que ele usava para segurar a de Isabella.
— Ela vai voltar, filho. — disse, com a voz baixa, mas carregada de convicção. — Eu sei que vai. Deus não une duas almas assim para depois separá-las.
Lorenzo respirou fundo, tentando acreditar. Antonella, então, abaixou o rosto até encostar os lábios na testa da nora, murmurando uma prece enquanto acariciava de leve os cabelos dela. Giulia, que ficou do lado de fora, observava pela fresta da porta, incapaz de entrar, mas igualmente tocada pelo momento.
Ali, no silêncio quebrado apenas pelo som das máquinas, três gerações estavam conectadas pela mesma esperança. Uma mãe, um filho, e a mulher que carregava o futuro da família.
E Lorenzo, com os olhos marejados, sabia que jamais esqueceria aquele instante, o momento em que prometeu, para si mesmo e para Deus, que faria de tudo para que Isabella e o bebê sobrevivessem, não importava o preço.

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