Cap. 106 Discórdia mais amor.
Acordei com a luz do sol atravessando as janelas do quarto, banhando meu rosto com um calor suave. Por um instante, achei que ainda estava preso em algum sonho, daqueles confusos, vagos, que parecem durar para sempre. Mas a dor na nuca foi rápida em me lembrar da realidade. Definitivamente, eu não estava sonhando. Nunca imaginei que existisse outra forma de me fazer dormir além dos meus remédios. Mas aquela… foi dolorosa demais. E, por mais absurdo que pareça… Valeu a pena. A lembrança da noite anterior ainda pairava sobre mim como um véu quente e denso, impregnado na pele, nas emoções, nos pensamentos. As palavras dela, os olhos assustados, o toque trêmulo, o jeito como me empurrou antes de tudo desmoronar... nunca pensei que ela poderia ser monstruosamente forte, mesmo eu sendo quase duas vezes maior que ela. Eu merecia. Cada centímetro daquele empurrão e golpe por não ter dito logo, quando já tinha a certeza. Talvez até mais. Mas, mesmo assim, não consegui, nem por um segundo, tirá-la da cabeça. Aurora.
— Até que, para alguém que desmaiou me dando um baita susto, você está bastante primaveril, não é? — escutei a voz dela me acordando de meus pensamentos, me fazendo desmanchar o sorriso.
Me ergui um pouco na cama, sentindo o peso da pancada ainda latejando na base da cabeça. Ela estava de pé próxima à cômoda, colocando um pouco de água no copo, ao lado de um bule de café. Caminhava devagar, passos silenciosos, quase inseguros, trazendo a bandeja com as duas mãos. E havia algo nela, naquele olhar que evitava o meu, que me fez prender a respiração. Era a primeira vez que ela entrava ali de forma tão… voluntária. E estava linda, ainda na mesma camisola de ontem. Ela se arrumava todas as noites, e meu coração queimava só de pensar que era exatamente para mim. Mais ainda com aquela vergonha disfarçada e a coragem escondida nos detalhes.
— Trouxe café... — ela murmurou, colocando a bandeja sobre a mesinha ao lado da cama.
— Obrigado... — respondi com a voz baixa, rouca de sono e sinceridade.
Ela hesitou, e então se sentou na beirada da cama, bem ao meu lado. Ficou ali, em silêncio, os dedos inquietos entrelaçando-se sobre o colo. Parecia procurar coragem em algum lugar dentro de si.
— Rodrigo me contou tudo. — ela disse, por fim. — Ele já sabia… que você é sonâmbulo.
Assenti devagar, como se admitir aquilo de novo pesasse ainda mais agora.
— Eu sinto muito, Aurora — falei, buscando seu olhar. — Por todas as vezes que invadi seu espaço. Que te toquei sem saber… ou mesmo quando comecei a perceber e fiz aquilo ontem.
Fechei os olhos por um segundo, engolindo a culpa.
— Eu nunca quis te ferir. Nunca.
Ela sorriu. Um sorriso tímido, pequeno… mas devastador. Porque foi real.
— Eu sei. — respondeu, sem levantar a cabeça.
Fiquei em silêncio por um momento, tentando me recompor.
— Isso não vai mais acontecer. De verdade. Mas… também seria mentira dizer que tudo foi só sonambulismo. Porque… depois de um tempo… eu comecei a sentir algo. Por você...
Ela ergueu os olhos, me encarando, e naquele olhar havia fogo, vulnerabilidade, e uma coragem que eu nunca tinha visto igual. Meu coração acelerou.
— E agora...? — ela perguntou, de repente. — O que você vai fazer?
Franzi a testa, confuso.
— Como assim?
Aurora mordeu o lábio inferior com firmeza. E quando respondeu, sua voz era certeira, firme.
— Você queria se responsabilizar por um beijo… Mas agora tem muito mais com o que se responsabilizar.
Aquelas palavras me atravessaram como uma lâmina quente. Não era acusação, mas uma cobrança. Foi mais rápido do que eu pensava. Ela não desviou o olhar. Não recuou. Não sorriu.
Só… esperou.
— Bom... nada mais que minha obrigação. Eu me responsabilizo pelos meus atos e assumo a culpa e, em conjunto, assumo você. — confessei, estendendo a mão para ela, e ela timidamente colocou a mão dela sobre minha palma.
Devagar.
— Como assim? Podemos fazer com que seja mais fácil.
— Claro... sabe quantas vezes você quase me violou? E eu fui acusada de estar te assediando? Sabe quantas vezes eu tive medo de te acordar? Seu homem louco!
Que merda... apertei os olhos, percebendo que ela estava procurando briga.
— Por todas as vezes que você me beijou sem permissão, eu vou cobrar tudo hoje! — ela asseverou, e a encarei como se fosse uma criança querendo me atacar. Bom... era esse o comportamento que eu esperava. Nada menos de alguém que quebrou o braço de alguém em mil pedaços apenas com um golpe. Mas também existiam coisas que ela não sabia sobre mim. Eu não sou um homem indefeso.
A jarra voou em minha direção quando eu me afastei.
— Não sabia que você era tão animada pela manhã. Talvez eu devesse sonambular quando fosse de manhã, assim teríamos nos divertido mais. O que acha? — perguntei com o tom sério, mas contendo o riso.
— Está zombando de mim? — ela gritou, irritada. Não sei quantas voadoras ela tentou me dar e quantas coisas já caíram. Sei que os três imprestáveis estão ouvindo tudo, mas não estou nem aí.
Eu já estava cansado dessa luta, então, quando ela pulou na cama e voou em minha direção, apenas a segurei com força em meus braços, como se fosse esmagá-la. Ela estava mesmo levando essa briga a sério, mas eu ainda sou muito maior que ela.
— Sabe o que está fazendo? — perguntei, a jogando sobre a cama com meu corpo por cima, a imobilizando de forma proposital, prendendo as mãos dela sem que ela conseguisse fazer qualquer coisa. Só não garanto que eu não conseguiria.
— Tentando me vingar, então fique parado.
— Não... fique parada você. Está me deixando curioso... — esbafori, sem fôlego. Eu estava mesmo abraçando ela, contra a minha cama, com meu corpo sobre o dela?
— O que está tentando fazer?
— Na verdade estava pensando no que queria fazer, mas no momento só quero que você fique quieta. — sussurrei em seu ouvido, deixando meu peso sobre o corpo dela, minha respiração quente em seu pescoço. Sinceramente... só queria abraçá-la naquele momento. — Obrigado... — sussurrei, enquanto sentia ela quieta demais. Então, de repente, sinto a mão dela suavemente em meu couro cabeludo, finalmente correspondendo ao meu toque.

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