Cap. 178
Pela manhã, Aurora mantinha a mesma rotina ao se sentar em frente à penteadeira — mas não para se arrumar. Ela tinha um novo passatempo.
Era uma caixa de música velha, que ela havia pegado escondida no quarto infantil onde estavam guardados antigos documentos do filho falecido de Andrews. Era uma caixa antiga, mas ainda imponente em sua simplicidade. Tinha acabamento em madeira escura e, dentro dela, um pequeno bailarino rodopiava ao som de uma melodia suave. Aurora sempre ouvia com o coração apertado.
A música a envolveu. Uma nostalgia amarga subia pelo peito, enquanto memórias de uma vida que parecia tão distante surgiam em sua mente.
Foi então que seus olhos caíram sobre um pequeno par de sapatinhos de bebê, escondidos nas profundezas da caixa. Estavam ali como um segredo guardado, acompanhados por alguns pequenos papéis com registros especiais.
Aurora tirou os sapatinhos de dentro da caixa e os segurou contra o peito, fechando os olhos com força. Uma lágrima escorreu por seu rosto, e ela sussurrou, com a voz trêmula:
— Que bom... que você ainda está aqui... comigo.
A música se arrastou, lenta, e quando terminou, o silêncio que ficou foi ensurdecedor.
Ela guardou os sapatinhos na caixa novamente, fechando-a com cuidado. A música cessou, mas a determinação ficou. Aquela era a única coisa de criança que restara naquela mansão após o surto de Andrews. Ele havia tirado tudo — todos os objetos e roupas novas que tinham sido compradas — e jogado fora. Tudo para que Aurora não se lembrasse da criança perdida. E proibiu que qualquer coisa do tipo voltasse a entrar ali.
Os dias estavam cada vez mais longos, e as noites, mais silenciosas. Aurora sentia-se presa dentro de um espaço que antes chamava de casa, mas que agora só ecoava memórias confusas e feridas não cicatrizadas.
Ela via Andrews. Via suas ausências mesmo quando ele estava presente. As tentativas dele vinham do fundo do peito, sinceras — mas ela parecia sempre distante.
Numa manhã fria, sentados à mesa do café, num raro momento em que Andrews exigiu que ela descesse para se alimentar, Aurora quebrou o silêncio como se buscasse alguma última gota de esperança.
— Você já pensou em... tentar de novo? Ter uma família?
Andrews sequer ergueu os olhos do jornal.
— Isso já passou pra mim, Aurora. Se você quer tanto um filho, adote. Vai achar centenas por aí.
As palavras dele cortaram fundo, como se cuspisse cada sílaba com desprezo. Aurora sentiu a garganta fechar, mas engoliu o choro. Ele era realmente difícil de mudar. Na verdade, ele tinha mudado — Andrews agora parecia um pedaço de gelo.
— Não é a mesma coisa — sussurrou ela. — Você me julga como se eu fosse ela. Como se eu fosse a Janete... Mas eu tenho o direito de tentar e fazer isso dar certo.
Ele finalmente a olhou, os olhos endurecidos.
— Eu não julgo. Eu sobrevivo. Como posso confiar que você não vai...
Ela não o deixou terminar. A dor foi maior que o controle. A mão dela subiu sozinha, e o tapa veio seco, carregado de tudo que ela nunca disse.
— Eu não suporto mais nem mesmo olhar para você!
E saiu. O silêncio que ficou foi mais ensurdecedor do que qualquer briga.
Quando a noite chegou, Aurora não dormiu. Caminhava de um lado a outro, escutando passos no quarto ao lado. Sabia que eram os pesadelos. Ele vinha tendo muitos.
Em silêncio, ela subiu, empurrou levemente a porta do quarto dele e encontrou Andrews suando, murmurando coisas sem nexo.
Ele tremia.
Ela não resistiu. Pegou uma manta, o cobriu e se sentou na poltrona, observando-o dormir. Ficou ali até o amanhecer. Como tantas outras vezes. Porque, apesar de tudo — mesmo com todas as brigas e a forma como o relacionamento deles tinha esfriado — ela ainda o amava. Ou talvez fosse pena. Ou lembrança. Ou o filho que ela carregava agora.
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Os comentários dos leitores sobre o romance: Esposa impostora e o Magnata Sombrio.