Alice
O sol tava rachando quando eu e Julio chegamos na pracinha perto da estação. A gente já vinha no embalo da marmita, que eu comi igual um trator sentada na moto quando estacionamos, porque o tempo era curtíssimo. O arroz quase entalou quando o Julio fez uma piada idiota.
— Não quero que você morra antes de entregar os kits — ele brincou, me entregando água e equilibrando a mochila cheia nas costas. — Pelo menos morre depois da última escova de dente distribuída, tá?
— Engraçadinho. Vamos logo, já terminei. — Guardei a marmita na bolsa e saí, empurrando o ombro dele de leve.
Rodrigo e Lúcia já estavam nos esperando, encostados num banco com cara de quem esperava há horas. Eles eram amigos da época da faculdade. Lúcia veio logo me abraçar, cheia de energia. Rodrigo levantou a mão num aceno contido, mas com aquele sorrisinho torto de quem acha tudo uma leve piada interna.
— Você quase perdeu o horário de novo né, Alice? — ele disse, ajeitando a camisa social que claramente não combinava com o calor.
— Quase nada. Só fiz o milagre da digestão instantânea — brinquei, tirando os kits da sacola.
A ideia era simples: entregar alguns kits com sabonete, escova, creme dental, absorvente, uma barrinha de cereal... Coisa rápida, mas que fazia diferença. A gente sempre dava um bom dia, puxava papo se a pessoa queria. Era coisa de coração e eu precisava disso.
Rodrigo foi direto pra um senhorzinho sentado num canto da calçada, começou a conversar com uma calma que me fazia lembrar que ele era o mais centrado da nossa turma. Julio estava todo metido a fotógrafo, mas ajudava. Ele entregava os kits e ainda perguntava se podia tirar umas fotos do projeto.
— Julio, pelo amor de Deus, para de posar com a sacola como se fosse campanha de perfume social — resmunguei, vendo ele fazer biquinho com um kit na mão.
— Isso aqui é engajamento consciente, bebê! — ele disse, rindo, antes de quase tropeçar num degrau invisível.
Eu e Rodrigo caímos na risada.
— Aí, Julio, vai ficar mais lindo ainda com a cara toda estragada de uma queda. — Rodrigo comentou, com aquele jeito seco que só ele tinha, mas sempre acertava.
A gente ficou ali por uns trinta minutos, mas foi como se o tempo tivesse passado voando.
Na hora de ir embora, me despedi de Lúcia com um beijo estalado na bochecha e Rodrigo me deu aquele abraço meio rápido, mas firme, que ele achava que escondia bem o carinho, que não escondia, aliás.
— Valeu, Rodrigo. Faz bem encontrar vocês no meio da loucura.
— A gente é tipo um reboque emocional. Te puxa antes de afundar — ele disse, ajeitando a mochila.
— Agora vai salvar a Justiça com seus livros de processo — brinquei.
— E você volta a fingir que ama seu chefe — ele rebateu, e eu gargalhei alto.
Subi no ônibus de volta pro trabalho e Júlio seguiu para um ensaio de bodas de prata, que era o sentido contrário ao meu.
Encostei a cabeça no vidro, fechei os olhos e respirei fundo. Não deu nem três minutos e o meu celular começou a vibrar. O peguei na bolsa e um calafrio subiu pela minha espinha, enquanto o nome da minha mãe piscava na tela.
Pensei em ignorar… mas atendi.
— Oi.
— Agora que atende?! — veio a voz dela, já no grito. — Tô ligando há horas!
— Eu estava almoçando, mãe… o que foi?
— O que foi? Seu pai tá morrendo, Alice! É isso que foi! Tá piorando e precisa ser transferido para Belos Campos com urgência!
Olhei em volta. O ônibus estava quase cheio e falei mais baixo, tentando manter a calma.
— Mãe… eu já disse que não tenho dinheiro pra isso.
— Ah, claro. Pra estudar você teve, e se virar sozinha na vida, também. Mas para ajudar seu pai? Nada!
— Eu sinto por isso, mas realmente não consigo ajudar você porque eu…
Engoli o resto da frase. Não queria começar aquela discussão ali.
— Ah, cala a boca! Você sempre foi ingrata, um erro! Eu devia ter te tirado quando descobri que estava grávida. Só assim eu não teria tanto desgosto!
Aquelas palavras me acertaram como um soco no peito. As pessoas começaram a virar o rosto, olhando pra mim. Uma senhora segurou mais forte a bolsa e um cara franzia a testa. Por mais que eles não conseguissem ouvir o que ela dizia, ela ainda gritava e dava para ouvir alguma coisa de longe.
Senti o rosto queimar de raiva misturada com vergonha.
— Você acha que eu tô bem, é isso? Você acha que eu tenho uma vida fácil? Mãe, eu não tenho nem os remédios da minha diabetes! Tô me virando como posso!
— Problema seu. Você que quis essa vida, agora se vira! Dá um jeito de levar seu pai! Se ele morrer, a culpa vai ser sua!
Fechei os olhos com força sentindo o peito apertado e a cabeça girando.
— Mãe… chega.
— O quê?
— Chega. Não aguento mais, eu não sou a vilã dessa história.
— Você é, sim. Sempre foi.
Desliguei o celular sem nem esperar que palavras dolorosas saíssem de sua boca novamente. Respirei fundo, ignorando umas duas pessoas me encarando e fiquei ali, com o celular na mão, tentando me acalmar. Meus olhos estavam cheios de lágrimas, e não suportou quando elas começaram a escorrer pelo meu rosto de forma silenciosa.
— Moça, tá tudo bem? — ouvi alguém perguntar, mas não respondi.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Aliança Provisória - Casei com um Homem apaixonado por Outra
Gostaria de dizer que plágio é crime. Essa história é minha e não está autorizada a ser respostada aqui. Irei entrar com uma ação, tanto para quem está lançando a história como quem está lendo....
Linda história. Adorando ler...
Muito linda a história Estou gostando muito de ler Só estou esperando desbloquear e liberar os outros que estão faltando pra mim terminar de ler...
Muito boa a história, mas tem alguns capítulos que enrolam o desfecho. Ela já tá ficando repetitiva com o motivo da mágoa...
História maravilhosa. Qual o nome da história do Diogo?...
Não consigo parar de ler, cada capítulo uma emoção....
Esse tbm. Será que nunca vou ler grátis...