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Aliança Provisória - Casei com um Homem apaixonado por Outra romance Capítulo 169

29-08 - segunda

O sol mal tinha saído completamente e eu já estava na fila do posto de saúde com o rosto cansado e o coração mais ainda. Depois da crise de ontem, eu precisava repor meus medicamentos.

A recepcionista nem precisou me perguntar o que eu queria. Ela já me conhecia.

— Oi, Alice… Tá vindo pela insulina, né? — disse, puxando minha ficha no sistema.

— Sim… — respondi, com uma pontinha de esperança.

Ela digitou algo, franziu a testa e soltou um suspiro antes de olhar pra mim.

— Só mês que vem, flor. Ainda não chegou e a previsão é para dia cinco, talvez seis.

Fechei os olhos e soltei o ar devagar.

— Essa foi a mesma resposta que me deram mês passado…

— Eu sei, é um absurdo. Mas a gente não tem controle, infelizmente. — ela falou com um pesar sincero na voz.

— Tá tudo bem. Obrigada mesmo assim. — forcei um sorriso e me afastei, sentindo o peso no peito aumentar.

Fui direto pro restaurante. Eu começava só às duas, mas quis chegar mais cedo e me ocupar. Talvez eu limpasse alguma mesa ou só ficasse parada olhando pro nada. Mas qualquer coisa era melhor do que sentar e pensar.

Comecei a arrumar os talheres e organizar os menus nas mesas quando o Antônio se aproximou, com aquele jeitão calmo de sempre.

— Você tá meio avoada hoje. Tá tudo certo, Alicinha?

Olhei pra ele, forçando outro sorriso. Eu devia ganhar um Oscar com a quantidade de vezes que finjo estar bem.

— Tô, sim. Só meio distraída mesmo.

Ele me encarou por um segundo a mais do que deveria, mas não insistiu. Só assentiu com a cabeça e voltou pro balcão.

A porta fez um som e o senhor Barbosa apareceu.

Respirei fundo, juntei toda a coragem que tinha e fui até ele, que estava falando com o entregador de bebidas.

— Senhor Barbosa, posso falar com o senhor rapidinho?

Ele me olhou de cima a baixo, o cenho já franzido como sempre.

— Fala, garota. Que foi agora?

— Queria saber se tem como eu pegar mais uns turnos extras essa semana… — soltei de uma vez, tentando não parecer desesperada.

Ele cruzou os braços e apertou os olhos.

— Mais turnos extras? Alice, você já tá pegando turno extra. Todo mundo aqui sabe que você é a que mais trabalha.

— Eu sei… — dei um passo pra frente, abaixando um pouco a cabeça envergonhada. — É que eu… eu preciso de mais. Só por um tempo, prometo não deixar a peteca cair.

Ele me olhou em silêncio por alguns segundos que pareceram minutos. Depois suspirou, coçando a cabeça.

— Tá precisando de dinheiro, é isso?

Demorei, mas assenti com um leve movimento de cabeça.

Ele suspirou mais uma vez.

— Tá bom, tá bom. Pega os turnos, mas se você se sentir sobrecarregada, me avisa. Não quero ver você desmaiando aqui no meio dos pratos.

— Obrigada, senhor Barbosa. Sério, de verdade. O senhor não sabe o quanto isso me ajuda.

— Vai trabalhar, vai… Antes que eu me arrependa.

Saí de perto dele aliviada, como se tivesse tirado uma tonelada das costas. Fui direto atender a mesa quatro, onde estavam o casalzinho mais fofo desse mundo. Dona Elvira e Seu Tadeu. Toda semana eles vinham, sentavam na mesma mesa, pediam os mesmos pratos e faziam as mesmas piadas e eu adorava.

— Olha só quem tá aqui! Os pombinhos do século passado! — brinquei, colocando os cardápios na mesa com um sorriso.

— Século passado, não, mocinha! Foi no retrasado! — Seu Tadeu retrucou, fazendo Dona Elvira dar uma risada gostosa.

— Eu não acredito que você tá entregando a nossa idade de novo, Tadeu! — ela fingiu estar indignada, mas os olhos brilhavam de carinho.

— Vocês já sabem o que vão querer ou hoje vão me surpreender?

— Surpreender? Com esse estômago aqui? — Seu Tadeu apontou pra barriga. — Queremos o de sempre, Alicinha. Mas capricha no suco. Semana passada estava meio sem graça.

— Vou preparar um suco que vai fazer o senhor querer casar comigo, Seu Tadeu.

— Mas olha só! Tá me cantando na frente da minha esposa! — ele riu, dando um beijo estalado na bochecha de Dona Elvira.

— É que eu sei que ela é segura de si. — pisquei para Dona Elvira, que me devolveu com uma piscadinha.

Enquanto anotava o pedido e me afastava para a cozinha, percebi que, apesar dos pesares, existiam momentos de respiro. E às vezes, eram justamente essas pequenas interações que me lembravam: eu ainda estava aqui e ainda podia lutar.

02 - 09 - sexta as 21:19

Terminei o último turno da noite esfregando o balcão com raiva. O dia inteiro já tinha sido um saco e agora ainda ia pegar o ônibus sozinha, porque Julio tava em um ensaio fotográfico com uma cliente barraqueira.

Aquela menina precisa de um psiquiatra, não de um book, eu disse pra ele. Mas ele achou “artístico”. Enfim.

Saí da cafeteria ajeitando a mochila nas costas. Eu só queria chegar em casa, tomar um banho e dormir pelo resto da década.

Mas quando virei a esquina da padaria, senti.

Sabe aquele instinto que arrepia a nuca? Aquela sensação que a gente não explica, mas sabe que tem algo errado?

Fingi que não era comigo e segui andando, apressando mais um pouco os passos. Até ouvir o meu nome sendo chamado.

— Alice.

A voz que me fez ranger os dentes.

Virei com tudo.

— Paulo?! — soltei, quase escandalosa. — Tá me seguindo agora, é isso?

— Não, eu só… estava passando.

— Você estava passando do limite, isso sim. — encarei ele de frente. — Quantas vezes eu tenho que repetir que acabou?

Ele deu um passo na minha direção e instintivamente eu recuei um.

— Você tá me evitando. Desde aquele dia…

— Eu tô vivendo, Paulo. Você devia tentar isso. — revirei os olhos, tentando seguir meu caminho.

Mas parei quando ele segurou meu braço.

Me levantei da cama, andando de um lado pro outro como um animal enjaulado.

— Como você tem a CARA DE PAU de ligar pra mim?! De dizer essas porcarias?! Você me deixou na MERDA, seu VAGABUNDO!

Do outro lado, ele ficou em silêncio por um segundo.

— Alice, eu só quero conversar, me escu—

— Não quero escutar PORRA NENHUMA! Devolve a porra do meu dinheiro, canalha! Você sumiu com tudo que eu tinha! Eu me afundei em dívidas, você levou até o meu GATO, desgraçado!

— Acalma, eu sei que errei, mas a gente pod—

— Acalmar?! Minha calma é um chute bem no meio das tuas bolas! Que aliás, era o mínimo que você merecia. O que foi? A vagabunda com quem me traiu te deu um pé na bunda e agora você quer voltar pro banco de reserva? VAI TOMAR NO MEIO DO SEU—

Desliguei.

Bloqueei.

Minha mão tremia enquanto encarava o aparelho em minhas mãos, sentia o peito apertar e o coração batendo que nem um tambor.

Eu estava com tanta raiva que o meu corpo inteiro formigava. Como esse infeliz teve coragem de me ligar e falar isso depois de tudo?

A porta do meu quarto se abriu e Julio apareceu com um lençol enrolado na cintura, o cabelo todo bagunçado e cara de quem foi tirado de um bom momento.

— QUE DIABOS ACONTECEU?

Me virei, ainda com o celular na mão.

— O desgraçado do Ícaro me ligou.

Os olhos dele arregalaram tanto que achei que fossem cair no chão.

— Ele O QUÊ?!

Respirei fundo, tentando não chorar ali mesmo.

— Julio… volta lá pro teu boy. Depois a gente conversa, tá?

Ele me olhou por alguns segundos. O jeito como ele me olhava… era de quem queria ficar, mas entendia que às vezes o silêncio era o único remédio.

Ele assentiu e saiu do quarto em silêncio. Assim que fechou a porta, meus olhos se encheram de lágrimas.

Não consegui segurar e eu me odiava por isso. Odiava por ainda sentir que sentia falta desse desgraçado, dos momentos em que eu me entreguei a ele, mostrei todas as minhas fraquezas.

Sentei na cama, puxei o travesseiro pra perto e acertei um soco nele com toda a raiva que estava presa no meu peito.

— Filho da mãe…

Como é que eu pude amar tanto alguém assim? Como é que eu entreguei tudo?

Contei meus sonhos pra ele, meus medos. Me despi de todas as armaduras e ele me destruiu e me deixou sozinha. Fez eu me sentir um lixo e duvidar de quem eu era.

Me fez acreditar que a minha família realmente estava certa, que eu era só um fardo prestes a morrer.

E agora aparece dizendo que sente saudade?

Pois que sinta. Mas longe de mim.

Longe de quem eu tô tentando reconstruir.

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