Aliança Provisória - Casei com um Homem apaixonado por Outra romance Capítulo 187

Senti o estômago embrulhar e olhei pro Julio, que me encarava com raiva contida. Antes que eu pudesse responder, ele deu um passo à frente e pegou o celular da mesa.

— Ah, vá tomar no cu, dona Judite. — disse com ironia amarga, e desligou. Em seguida, bloqueou o número com a velocidade de quem já tinha feito isso antes.

Fiquei parada, em choque. Olhei pra ele, sem saber se xingava ou agradecia.

— Ju…

— Não, nem vem — ele levantou a mão, interrompendo qualquer argumento. — Esse povo só quer sugar o pouco que você tem. Te chutaram de casa, te deixaram sozinha, fingem que você nem existe… e agora aparecem só pra arrancar o que podem? Vai se ferrar.

Respirei fundo, sentindo o nó no peito se desmanchar em cansaço.

— Você tem razão.

— Claro que eu tenho. — Ele se sentou no sofá, ainda bufando. — Eles não te ligam pra saber se você tá viva, se precisa de ajuda, se ainda toma a insulina todo dia. Só aparecem quando o boleto vence ou o tanque seca.

— É que ainda dói, sabe? Mesmo depois de tudo.

— Eu sei. — Ele falou mais baixo. — Mas você não merece continuar sangrando por gente que nunca tentou estancar sua dor.

Me sentei ao lado dele, quieta e encostei a cabeça em seu ombro, deixando o silêncio nos abraçar por um tempo.

Nem sempre a família que te cria é a que te cuida. Às vezes, ela só te machuca.

Mas, ainda bem que eu tinha escolhido outras pessoas pra chamar de lar.

Depois de um tempo sentados em silêncio, só ouvindo o som da rua e o ventilador girando preguiçoso no teto, Julio se levantou e estalou os dedos.

— Quer saber? A gente merece um descanso. Vou preparar um chocolate quente — anunciou. — E antes que você reclame da diabetes, eu comprei leite vegetal e cacau puro. Vai ficar chique. Zero açúcar e aprovado pela OMS.

Sorri, meio sem forças, mas grata pela tentativa dele de me arrancar do torpor.

— Faz aí, então, doutor Julio. Só não queima meu fogão.

— Confia no pai — ele piscou e foi pra cozinha, já assoviando uma música qualquer.

Enquanto ele preparava tudo, aproveitei pra colocar uma playlist suave no celular e deixar o ambiente mais leve. Quando ele voltou com duas canecas fumegantes, sentamos na rede do quintal. A brisa batia de leve, carregando o cheiro da goiabeira do fundo e o céu começava a ficar alaranjado, anunciando o fim da tarde.

— Sabe o que eu estava pensando? — perguntou, soprando o líquido quente antes de tomar o primeiro gole. — Que você podia voltar a dançar.

— O quê?

— Dançar, Alice. Você sempre gostou de dançar, mas parou… faz o quê? Uns seis meses que não dança mais?

Ri, surpresa com a lembrança.

— Faz muito tempo mesmo, acho que nem tenho mais joelho pra isso.

— Ah, para. Tu rebola como ninguém até varrendo a casa.

Dei um tapa leve na perna dele, rindo.

— Idiota.

— Mas tô falando sério. Faz alguma coisa por você, nem que seja dançar sozinha em casa. Você se doa tanto… Tá na hora de devolver um pouco pra si mesma.

Fiquei olhando o céu por um tempo. A rede balançava devagar, e por um momento, me permiti respirar mais fundo.

— Obrigada, Ju.

— Pelo chocolate ou pela sabedoria de vida?

— Pelos dois. E por estar sempre aqui.

— Eu sou sua família, lembra? — Ele sorriu de canto. — A que você escolheu.

Apoiei a cabeça no ombro dele de novo, sentindo o calor da caneca entre as mãos.

Só por hoje, isso bastava.

A noite estava quente, abafada. Já tinha me deitado, mas não conseguia dormir, virava de um lado para o outro, mas o sono não vinha.

Fiquei encarando o teto, escutando o barulho distante de um carro passando, o ventilador rodando lento no canto do quarto.

Suspirei.

Tinha algo me incomodando, mas eu já sabia o que era. Meu corpo inteiro parecia saber.

Amanhã era meu aniversário.

Tentei ignorar, como sempre fiz. Um dia como outro qualquer. Mas, de alguma forma, ele sempre me puxava de volta pra coisas que eu preferia esquecer.

Me lembrei de quando era pequena… nunca teve bolo ou parabéns. Meus pais diziam que comemorar aniversário era vaidade, coisa do mundo e eu, criança, não entendia. Só sabia que doía.

A única pessoa que lembrava era a minha prima.

Ela aparecia escondido lá em casa, rindo baixo como se fosse uma missão secreta. Vinha com uma coxinha num guardanapo e enfiava uma vela fininha em cima, toda torta. Eu ria e cantávamos parabéns bem baixinho, só pra mim.

“Não conta pra ninguém, senão a gente apanha”, ela dizia, piscando.

Era o melhor momento do ano.

Mady foi a única que dizia que eu não era errada ou um problema.

Ela era luz. Meu pedacinho de mundo onde eu podia respirar.

Mas a vida levou ela cedo demais. A gente perdeu o contato depois que eu fui embora de casa. Só descobri anos depois que ela tinha morrido em um acidente bobo, disseram. Bobo, mas que arrancou o último pedaço bom da minha infância.

Nunca chorei tanto como naquele dia. Nunca. Parecia que eu estava perdendo tudo de novo.

Pisquei de volta pro presente, sentindo os olhos arderem.

Não. Eu não ia chorar de novo

Amanhã era só mais um dia, um entre tantos.

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